sábado, março 22, 2008

Um lugar na escola para a imaginação

Gilcênio Vieira Souza


Raridades III

Um texto de 1996. Sobre educação. Infelizmente, continua atual.

A escola no Brasil vive uma crise histórica. Esta afirmação virou um lugar comum, convenhamos. Porém, educadores conscientes do seu papel de agentes transformadores da realidade não podem adaptar-se à idéia de que é possível conviver acriticamente com este dilema. É preciso imaginar uma solução para os problemas educacionais brasileiros. E, imaginando, faremos uma primeira descoberta: a imaginação está ausente da escola, empobrecendo-a espiritualmente e alienando-a do processo social. Qual a importância do trabalho de dar “asas à imaginação” na sala de aula?

A liberdade de imaginar, exercida pelo professor e, conseqüentemente, pelo aluno, insurge-se contra a rotina robotizada que prevalece no ambiente escolar, cheia de tensões que deixam marcas em alunos e professores. O exercício da imaginação desperta nos alunos o interesse pela descoberta, o aluno descobre-se criador e libera aptidões, obscurecidas até então, devido à postura autoritária do professor e à monotonia não-criativa da escola.

Reciprocamente, o professor surpreende-se com seu próprio espírito lúdico e inventivo, que vivia sufocado pelo automatismo diário de um modelo educacional que privilegia a repetição e teme a inov(ação).

A escola precisa traçar um plano no qual todos estejam integrados numa ação uniforme, como um “Coletivo do Imaginário”. Sim, Coletivo do Imaginário (com maiúsculas mesmo), por que não? Não basta a atuação destemida de alguns professores. É necessário que todo o corpo escolar vivencie o trabalho da imaginação como uma prática democrática e um caminho para a mudança, para a invenção, para a criação do novo.

Imaginar é jogar; com imagens, conceitos, palavras. A prática pedagógica precisa adotar uma relação lúdica, que pontilhe de curiosidades o percurso utilizado pelo aluno, despertando-o para a busca e a recompensa da descoberta.

quinta-feira, março 20, 2008

Derrubando muros, construindo sonhos

RARIDADES II

Texto antológico

BOLETIM DA COPA 2002

Domingo, 30 de junho de 2002.

PENTACAMPEÃO!

Derrubando muros, construindo sonhos

Gilcênio Vieira Souza

Era uma vez um país. Nele, muitos meninos pobres costumavam se distrair (e distrair o estomago) correndo atrás de uma bola nos baldios terrenos da vida. Conversavam com o mundo – e geralmente para eles o mundo se resumia à favela, ao bairro ou ao pedaço de sertão que habitavam – utilizando a linguagem do futebol. Um deles deixou de ir treinar na sede do clube por não ter dinheiro para pagar o ônibus. Outro, foi rejeitado por um técnico sem intuição: “muito fraco, se der um vento, ele cai”. Mal sabia ele que o garoto desnutrido faria gols, depois, quase do meio do campo, com a bola vencendo, miraculosamente, todos os ventos contrários.

Não era esse o país das maravilhas... Longe disso. Como nação, foi mais uma madrasta má para muitos dos seus filhos, que cresciam sem lar, emprego, saúde, escola e amor. Tantos quase não viveram, e morreram no anonimato. Alguns, no entanto, foram longe e escreveram belíssimos poemas na linguagem na qual se tornariam mestres: a do futebol. Tornaram-se Pelés, Garrinchas, Romários, Rivaldos, Ronaldos...

E esse povo sofrido começou a ter um sonho: ser os melhores do mundo no futebol. E foram; uma, duas, três, quatro vezes! Nenhum outro país havia sido, então, campeão quatro vezes. Só aquele, que possuía o mítico nome de Brasil.

30 de junho de 2002. O país dos meninos pobres, que por uma ironia do destino se transformavam em gênios da bola, iria mais uma vez disputar uma final de Copa, a sétima. O seu adversário, a Alemanha, também disputaria a sétima final. Se o Brasil possuía o artilheiro da copa e o melhor ataque, a melhor defesa e o goleiro menos vazado eram da Alemanha, a “muralha da copa”. Tristes lembranças... Medo... À mente do povo vinham imagens de lágrimas, cinqüenta e dois anos atrás, no Brasil, e quatro anos atrás, na França.

Angústia maior foi ver começar o jogo e a Alemanha no ataque...

Mas, no imaginário coletivo, mais fortes foram as lembranças de outras copas: 1958, 1962, 1970 e 1994. Pátria de chuteiras, país do futebol. Em cada craque brasileiro que corre sobre o tapete do estádio japonês, a inspiração pede passagem... E aos poucos vão surgindo as chances de gol. Se o artilheiro da copa recebe marcação especial, então que tal surpreender os alemães com Kléberson? Bola na trave...

Segundo tempo. São Marcos orou por nós... Até que passados 20 minutos... Rivaldo e o seu precioso chute de fora da área: o muro da Alemanha era mais frágil do que imaginávamos. Ronaldinho aproveitou o rebote e mandou pro fundo da rede... Poucos minutos depois (pouco minutos? Tudo nesse jogo parecia uma eternidade...), a deixada de Rivaldo colocou de novo a bola nos pés de Ronaldinho: Brasil 2, Alemanha zero. Brasil: cinco vezes campeão...

E o mítico país dos meninos das peladas, mais uma vez mostrou ao mundo a sua arte. O povo infeliz embriagou-se de uma felicidade só possível de quatro em quatro anos. Viu, de novo, seus meninos desnutridos construindo o sonho de um país... E, intimamente, torceu para que este país não demore a construir o sonho de todos esses meninos...

quarta-feira, março 19, 2008

Pessoa

Gilcênio Vieira Souza


Raridades...

As próximas postagens são raridades do fundo do baú. Alguns, são textos da era pré-digital, ainda feitos na máquina de escrever! As datas da criação aparecem no fim de cada texto. Até que o primeiro - Pessoa - não é tão antigo: é de 2003. Abraços.


em toda pessoa

há um Pessoa

e suas múltiplas

pessoas

o problema é que nos

despessoalizamos

a todo instante

a ponto de não sabermos mais quem somos

ou

se ainda somos alguém

não nos permitimos ser

apenas vagabundos a molhar

a alma

solitários córregos

ou

ousados marinheiros a bradar

pelos mistérios do mundo

que maior prazer não há que

desafiar mistérios

como

o que fazer nessa tarde azul nesse planeta azul manchado pelo cinza do tédio e do torpor

de milhões de pessoas em milhões de anos singrando eras e sangrando e que não dormem e que não comem e que não sabem por que ainda podem ser chamados de homens?

seremos pessoas?

ou

por que não admirar

a beleza pagã

por trás dessas almas ingênuas

e conversar sobre a borda do universo e coisas afins

e dizer: “não estou para ninguém

nem para mim”

e deitar-se alma a alma

estender-se na relva olhando as estrelas?

sim

:

o principal dilema

dessa época

tão pouco

serena

é

:

ser uma pessoa