sábado, abril 26, 2008

poema (1993)


um poema de 1993, agora em versão digital.

Cosmo

Gilcênio Vieira Souza

Marcelo, finalmente um conto. De 2001.


O soldado cutucou sua barriga com o bico da botina. São Cosmo ainda tá vivo. São Pedro e São Anastácio já foram se encontrar com Deus... Ou com o diabo, completou o outro soldado, com desprezo nos olhos e nos lábios. Cosmo mexeu os olhos, procurando ver o pedaço de mundo que lhe restara, ausente dele as belezas de Deus, dois soldados fazendo um festim, bebendo e comendo ao lado dos cadáveres de Pedro e Anastácio, só esperado Cosmo morrer pra levar os três pra Juazeiro e mostrar ao povo na praça.... A ordem era essa, Cosmo ouvira os soldados da besta-fera conversando. Soldados da besta-fera. Os aviões haviam despejado fogo sobre as matas da Serra do Araripe, até então Cosmo não atinava que avião fosse esse engenho que carregava a morte nas asas... O povo do Caldeirão não entendia tanto ódio. Cosmo lembrou o rosto sereno do beato Zé Lourenço: a besta-fera não tarda atacar, vamos preparar o corpo e o espírito... E Maria de Oeiras? Tava viva? Maria... Por que não quis casar comigo? Cosmo prometeu a si mesmo que nunca mais cobiçaria mulher nenhuma, fez votos de castidade, penitenciou-se tantas e tantas vezes quando a imagem de Maria lhe envolvia em íntimos redemoinhos espirituais, o chicote fazia o pecado escorrer em fios de sangue pelo corpo marcado, e há dois anos, três dias depois de meu Padim Ciço morrer, ele e Nossa Senhora das Dores apareceram pra mim numa luz e me disseram pra procurar o beato Zé Lourenço e ir com ele pro Caldeirão... Deus havia abandonado Cosmo; como havia abandonado Cristo, como havia abandonado os companheiros pobrezinhos de Cosmo. Quem ia fazer alguma coisa pelo povo do Caldeirão, massacrado pelos soldados do governo, governo do rabudo? Ou Deus estava punindo Cosmo pela tocaia? A tocaia: vendo o que os soldados tinham feito no Caldeirão, destruindo as casas que tanto suor custaram, roubando os trecos, os animais, a comida, levando as moças pra Fortaleza à força (e Maria de Oeiras, pra onde tinha ido?), o avião despejando fogo, a humilhação, a perseguição ao beato Zé Lourenço, não se arrependia da tocaia, da peixeira enfiada no peito do capitão Zé Bezerra, chefe dos soldados, enviado-da-besta-fera. Fizera aquilo pra glória de Deus e Nossa Senhora, meu Padim Ciço, meu pai Zé Lourenço e... Maria de Oeiras... Maria... Uma nuvem cresceu do nada, sufocando aos poucos as últimas lembranças, até seu imo se ausentar de vez...

No mesmo dia, 30 de setembro, os cadáveres de Cosmo, Pedro e Anastácio, moradores da comunidade Caldeirão, foram exibidos ao povo, na praça central de Juazeiro do Norte, aos mil novecentos e trinta e seis anos do nascimento do Nosso Senhor Jesus Cristo.

segunda-feira, abril 14, 2008

um poema de 1999

Gilcênio Vieira Souza

çuor

das matas

babaçuais

babaçu

ais

coronéis defloram &

não há terecovodu a que valham os

de nada exkariris pretocosmes

sem mãos sem ser-

mões vieiras ou damiões

de tanto cortar juquira

de nada valem esses joões

elEs pira

sonhos todam iguais

: carcaraven rapinando

cedo o inverno de seus algozes

pátria dos cocais

chega de lerolero

pra ser um cidadão não um zero

debaixo dos babaçu

ais

não se oiça never

never jamais