segunda-feira, janeiro 02, 2006

Sobre cuecas e trambiques

Gilcênio Vieira Souza

Na cidade de Juazeiro do Norte havia um homem conhecido como Beato Elias. Quando a cidade se enchia de romeiros que iam visitar o túmulo do Padre Cícero, Elias surgia nas ruas com uma relíquia nas mãos: uma cueca encardida que, segundo ele, havia pertencido ao Padre Cícero. Os romeiros não pensavam duas vezes: todos queriam tocar, cheirar, molhar a cueca, espremê-la e levar para casa a água "milagrosa" que dela escorria. Claro que não esqueciam da "gorjeta" do Beato. O Padre Cícero jamais havia vestido aquela cueca.
Beato Elias ensinava catecismo para uma menina, filha de uma mulher valente, conhecida como Maria Tubiba, que morava na serra do Horto, lugar onde hoje fica a famosa estátua do Padre Cícero. Certo dia, Maria Tubiba foi verificar se sua filha estava se esforçando para aprender a palavra de Deus. Descobriu que esforço maior era feito pelo Beato Elias; não exatamente para ensinar a palavra de Deus, mas para mostrar os supostos poderes divinos do "objeto" dentro da suposta cueca do Padre Cícero que ele, Elias, descaradamente usava naquele momento.
Contam que Maria Tubiba fez o Beato descer a serra debaixo de uma tremenda surra. Desde então, nem ele nem a cueca voltaram a Juazeiro...

Em julho do ano passado uma outra cueca virou manchete nos jornais de todo o Brasil: José Adalberto Vieira, assessor do deputado José Nobre Guimarães, do PT do Ceará, foi flagrado escondendo 100 mil dólares... dentro da cueca.

Abusar da boa-fé do povo é coisa antiga. Mas nunca se viu tanto cinismo como nos dias de hoje. No dia 20 de novembro último, o chefe do assessor flagrado com a mão na botija, digo, com o dinheiro na cueca, o deputado Guimarães, teve o pedido de cassação do seu mandato rejeitado por 23 votos a 16, pela Assembléia Legislativa do Ceará, apesar de admitir ter recebido 250 mil reais, não oficializados pela Justiça, para serem gastos na campanha eleitoral. Segundo ele, o dinheiro lhe foi repassado por Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT, por meio de uma mulher cujo nome disse não se lembrar.

Enuqanto isso, 32 milhões de pessoas tentam sobreviver com meio salário mínimo por mês e 13 milhões de indigentes fazem malabarismo com 1/4 do salário mínimo (75 reais), para continuar merecendo o nome de seres humanos, embora a maioria tenha que buscar no lixo o próprio alimento, como se fossem animais...

Se fosse vivo, talvez o Beato Elias estivesse rindo de como era inocente o golpe que usava para tirar dinheiro do povo, em comparação com os esquemas altamente sofisticados de hoje. Ou, talvez, estivesse apavorado com a possibilidade de ser convocado para depor numa nova Comissão Parlamentar de Inquérito: a CPI do cuecão...