sábado, dezembro 03, 2005

Morte seguida de resistência

Gilcênio Vieira Souza

A Anistia Internacional divulgou ontem um relatório que mostra o que já se sabia sobre a polícia brasileira: sua extrema violência contra os pobres.
A brutalidade da polícia brasileira é expressão contínua do sadismo do colonizador, do senhor de engenho, do coronel. Sadismo cuja gênese mescla a psicologia e a cultura do poder em terras brasileiras com a necessidade de reprimir os que se opõem à dominação política e econômica. E para cumprir com essa que é sua primordial função, o Estado burguês está bem servido no Brasil de ditaduras exemplares. Desumanizar o oprimido, reduzi-lo a uma coisa abjeta, aniquilar suas aspirações e, se for o caso, a maior e ao mesmo tempo a mais simples de todas - a aspiração de continuar vivo - são tarefas ensinadas nos quartéis, como provam os vídeos divulgados recentemente, mostrando a tortura e a humilhação com que muitos policiais submetem os recrutas, para que se "preparem" para projetar tamanha selvageria nos que ousam questionar a "ordem".
O documento da AI destaca a responsanbilidade dos governos brasileiros - leia-se Estado - na institucionalização da violência policial, principalmente contra as comunidades carentes, revelando que a maioria das vítimas da polícia são jovens pobres, negros ou pardos, e boa parte sem antecedentes criminais.
Essa constatação está presente há muito tempo nas letras de rap e nas denúncias de organizações que dão voz aos moradores da periferia. Percebe-se, felizmente, que cada vez mais surgem grupos de contestação ao mito da "cordialidade" brasileira, como os movimentos de favelados, desempregados, rappers, grafiteiros, etc.
Um dado fundamental apresentado pela Anistia Internacional desvenda uma das artimanhas utilizadas pela polícia para esconder sua estratégia deliberadamente genocida: entre 1999 e 2004, as polícias do Rio de Janeiro e de São Paulo mataram 9.899 pessoas em situações oficialmente registradas como "resistência seguida de morte".
Para cada trabalhador assassinado pela polícia - leia-se Estado - pelo crime de não ter nascido em berço de ouro e/ou não manter relações promíscuas com o poder ("pistolões" da burocracia estatal no judiciário, no executivo, etc.) , deve-se organizar nova resistência: expressão coletiva da solidariedade entre os oprimidos para barrar a opressão secular que faz do Brasil uma das nações com as maiores taxas de mais-valia do planeta, uma das polícias mais repressivas e um dos judiciários mais lentos e parciais. Caso contrário, se repetirão chacinas como a do Carandiru, em 1992, na favela do Vigário Geral, em 1993, nas escadarias da Calendária, também em 1993, em Eldorado dos Carajás, 1997, na Baixada Fluminense, 2005, ou as pequenas e muitas vezes anônimas resistências seguidas de morte com que se mascara o trabalho premeditado de extermínio efetuado pela polícia brasileira.

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