quinta-feira, março 20, 2008

Derrubando muros, construindo sonhos

RARIDADES II

Texto antológico

BOLETIM DA COPA 2002

Domingo, 30 de junho de 2002.

PENTACAMPEÃO!

Derrubando muros, construindo sonhos

Gilcênio Vieira Souza

Era uma vez um país. Nele, muitos meninos pobres costumavam se distrair (e distrair o estomago) correndo atrás de uma bola nos baldios terrenos da vida. Conversavam com o mundo – e geralmente para eles o mundo se resumia à favela, ao bairro ou ao pedaço de sertão que habitavam – utilizando a linguagem do futebol. Um deles deixou de ir treinar na sede do clube por não ter dinheiro para pagar o ônibus. Outro, foi rejeitado por um técnico sem intuição: “muito fraco, se der um vento, ele cai”. Mal sabia ele que o garoto desnutrido faria gols, depois, quase do meio do campo, com a bola vencendo, miraculosamente, todos os ventos contrários.

Não era esse o país das maravilhas... Longe disso. Como nação, foi mais uma madrasta má para muitos dos seus filhos, que cresciam sem lar, emprego, saúde, escola e amor. Tantos quase não viveram, e morreram no anonimato. Alguns, no entanto, foram longe e escreveram belíssimos poemas na linguagem na qual se tornariam mestres: a do futebol. Tornaram-se Pelés, Garrinchas, Romários, Rivaldos, Ronaldos...

E esse povo sofrido começou a ter um sonho: ser os melhores do mundo no futebol. E foram; uma, duas, três, quatro vezes! Nenhum outro país havia sido, então, campeão quatro vezes. Só aquele, que possuía o mítico nome de Brasil.

30 de junho de 2002. O país dos meninos pobres, que por uma ironia do destino se transformavam em gênios da bola, iria mais uma vez disputar uma final de Copa, a sétima. O seu adversário, a Alemanha, também disputaria a sétima final. Se o Brasil possuía o artilheiro da copa e o melhor ataque, a melhor defesa e o goleiro menos vazado eram da Alemanha, a “muralha da copa”. Tristes lembranças... Medo... À mente do povo vinham imagens de lágrimas, cinqüenta e dois anos atrás, no Brasil, e quatro anos atrás, na França.

Angústia maior foi ver começar o jogo e a Alemanha no ataque...

Mas, no imaginário coletivo, mais fortes foram as lembranças de outras copas: 1958, 1962, 1970 e 1994. Pátria de chuteiras, país do futebol. Em cada craque brasileiro que corre sobre o tapete do estádio japonês, a inspiração pede passagem... E aos poucos vão surgindo as chances de gol. Se o artilheiro da copa recebe marcação especial, então que tal surpreender os alemães com Kléberson? Bola na trave...

Segundo tempo. São Marcos orou por nós... Até que passados 20 minutos... Rivaldo e o seu precioso chute de fora da área: o muro da Alemanha era mais frágil do que imaginávamos. Ronaldinho aproveitou o rebote e mandou pro fundo da rede... Poucos minutos depois (pouco minutos? Tudo nesse jogo parecia uma eternidade...), a deixada de Rivaldo colocou de novo a bola nos pés de Ronaldinho: Brasil 2, Alemanha zero. Brasil: cinco vezes campeão...

E o mítico país dos meninos das peladas, mais uma vez mostrou ao mundo a sua arte. O povo infeliz embriagou-se de uma felicidade só possível de quatro em quatro anos. Viu, de novo, seus meninos desnutridos construindo o sonho de um país... E, intimamente, torceu para que este país não demore a construir o sonho de todos esses meninos...

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